sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Minha casa.

Durante mais de 15 anos eu morei na mesma casa. E à medida que o tempo ia passando, ela ia mudando com a gente...

A principio era um quarto amarelo e azul, com estampas florais e camas de solteiro. Um balanco, feito por mim, pendia de um dos galhos do imenso ingazeiro que sombreava a faixada... a rua era duas maos, e o caminho até a escola mais curto.

A arvore foi cortada, dada a necessidade de fazer uma nova garagem... meu balanco, pro lixo.

O quarto do meu irmao era pequeno, mas era o mais divertido e cheio de coisas. Era como um esconderijo, voce entrava e andava de lado entre a cama e o movel (que, acreditem, existia!) abarrotado de eletronicos, caixas de som, novidades, etc. As prateleiras eram rebeldes, tomada por livros e objetos, sempre acertavam a testa de alguem...

A rua virou mao unica, em direcao a rua recife. Dar carona pros cativos ficou um pouco mais complicado, mas o pouco movimento na via permitia algumas "barbeiragens".

O quarto de hospedes abrigou muita gente, até chegar minha vó... e ai, era o quarto da vovó! Todos os outros ambientes (fora o quarto do meu irmao) eram bem mais amplos, mas alguma coisa sempre nos levava a ficar amontoados lá dentro...

A casa toda cheirava a madeira... era ventilada e tinha uma das melhores vistas da cidade.
Foi palco para festas, cenario para filmes e o nosso lar.

Em um dado momento resolvemos reformar; meu quarto passou para lilás, cama de casal, closet espacoso e cara de adolescente... meu irmao mudou do cubículo para um espacoso loft com entrada independente... mamãe ganhou mais espaco para as roupas e papai menos bagunça.

Enfim, resolvemos fazer a piscina... Nossos domingos ficaram mais coloridos e cheios de vida. Papai colocava a melhor trilha sonora pro momento, gidô trazia kibe e outras delicias, e fechava o almoco com uma maravilhosa sobremesa da vovó...

Minha mae adorava o jardim. Molhar as plantas, plantar as plantas, colher as plantas... era o toque de tanto amor que dava vida àquele lugar.

Nosso canto comecou a virar o canto de muita gente... e começou o pesadelo.

Primeira obra; do predio atras... ouviamos tudo, do toque de entrar, de almoco, de volta, de sair e de hora extra. Furadeira, serra, martelo, caminhoes, poeira, alergia, dor de cabeca e furia... Foram sei lá quantos anos até ele ficar pronto, e bem em cima da nossa privacidade. Mas, pelo menos, dormir e respirar era possível.

Quando pensamos que nossos problemas tinham acabado, o vizinho da esquerda vende a casa e, pra nossa "alegria", iam construir um predio no local...

Ok, ok... a gente aguentou um, o que seria outro...?

Foi entao que o vizinho da direita se rendeu as propostas e ali, pasmem, seria mais um predio!

Choviam propostas para comprar nossa casa, mas ela era parte da gente... e a gente dela.

O transito já havia mudado completamente... de pouco movimentada, virou via de acesso. Eu passava meia-hora vendo o portao da minha casa, mas impossibilitada de chegar até lá... e quando iamos entrar, ainda recebiamos buzinadas raivosas e gestos desagradaveis... por vezes até cheguei a ouvir alguns gritos, mas pode ter sido só impressão.

Foi quando resolveram construir o viaduto que demos a martelada final... era impossível continuar lá.

Assim que assinaram o contrato de venda, os novos "donos" nos enxotaram de lá... nos deram tempo recorde pra sair e encontrar qualquer outro lugar, que nao aquele, para nos abrigar.

Saimos, entao, às pressas... sem despedidas, como sem-terras maltrapilhos.

Colocamos tudo que tinhamos dentro de caixas, carros, caminhoes... e partimos sem olhar para tras. Ela, sem a gente, nao era mais a mesma... uma carcaça, um esqueleto, um corpo sem alma... estava morta.

Foi assim que ela passou de lar a escombros... de jardim a concreto... de amor a dinheiro.







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